>> Vivendo uma experiência missionária na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, o seminarista Edson Boff relata dias de visita pastoral junto aos povos indígenas.
Por Edson Boff*
Hekoapi waika. Bom dia, na língua Baniwa!
Tenho tanto pra te contar! Não sei por onde começar… ou o que deixar de contar! Retornamos ontem da itinerância. Acompanhei dom Edson em sua visita pastoral. Conto sobre uma expedição no espaço, mas sobretudo no tempo e em lugares que se abrem fora desses dois!
Nossa parada mais distante foi comunidade Ukuki Cachoeira (divisa com Colômbia). No quarto dia chegamos lá. Realmente distante. “Distante de uma distância” que não estamos acostumados a sentir… Um longe que se quer mais. Um distante que faz esquecer o cansaço e que nos faz deixar pelo caminho pré-concepções e concepções.
Abrem-se nossos olhos e ouvidos a novidade, diante de sua infinitude. Quanta beleza/diversidade nos tons azul, verde, e preto e colorido abundante. Varamos Rio Negro, Rio Içana, Rio Aiary, Rio Uaraná – que desce da tão próxima Colômbia. Nosso guia era também padre Geraldo Baniwa, filho desta mesma terra, legítimo anfitrião.
Passamos em visita – sem pressa – por muitas comunidades, compostas por GENTE de etnias Baniwa, Baré, Koripaco, Warekena, Wanano etc, maioria do tronco linguístico Aruak.
Digo de uma viagem no tempo pela oportunidade de ter levado um amigo que é sempre especial e benfazejo: um livro. Do professor Robin Wright, que diz sobre a história indígena e do indigenismo no Alto Rio Negro. Diz de história complexa e de uma riqueza inimaginável, tanto sócio-politicamente, quanto no amplo âmbito religioso que não se separa da grande dimensão cultural – da qual tanto precisamos ouvir, diante da qual precisamos silenciar/contemplar. Perceber imaginando as (tantas) dores e (nem tantas) alegrias no modo como se deram os mais de dois séculos e meio de contato com o “mundo branco” é de arrepiar: dá raiva, causa revolta, tristeza… Mas também dá vontade de RECONCILIAR (e aqui alegra!) – talvez um dos verbos mais importantes para que medite um intruso como eu.
É preciso, ainda, e cada vez mais, salvar os povos da destruição – proposta essa que deve estar permanentemente em forma de indagação, e não se impedir que os próprios indígenas respondam “como desejam/precisam ser preservados”. Aprendo cada vez mais sobre o que não dizer, sobre o que não argumentar!
Envio as fotos que mostram um pouco desse muito. Inclusive fotos dos lugares sagrados, que, segundo a mitologia da região, é o próprio lugar da criação do mundo. Dali todas as coisas surgiram! Envio inclusive uma foto da marca de onde pisou o pé de Deus Criador (Nhiãperikuli). É gostoso demais ouvir as infindáveis histórias da mitologia que o povo Baniwa conta com entusiasmo e veneração! Desejo que te tornes um curioso!
Os desafios do presente são enormes e exigem muitas mãos (dadas!) para que se possa construir. Claro, construir como um sinônimo de progredir, sim, mas muito distante da visão suja que se difunde sobre esse verbo atualmente – que quer significar o oposto do que realmente significa a palavra: destruição! Como melhor (contra) exemplo, o que deseja o infernal (des)governo Bolsonaro.
Com a sensação de ter apenas jogado sementes, no fim desse textinho onde de modo inclusive confuso tento expressar a imensidão de sentimentos e intuições que “fervem” em mim (nós) (igual Hipana, cachoeira da Origem do Mundo), digo da grande vantagem de estar em São Gabriel da Cachoeira, e essa sim me é muito clara: poder agradecer em diversas línguas!
Ayū, Kwekatureté, Matsiá, Totihitawa, Muchas Gracias, Gratidão!
Paz e Bem!
Forte abraço!
* Seminarista da Diocese de Osório (RS). Está na diocese de São Gabriel da Cachoeira para uma experiência pastoral.