(Atualizada em 27/02, às 18:22)
O arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, anuncia, nesta Quarta-feira de Cinzas (26), a assinatura de um decreto canônico que instala oficialmente a Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável. O serviço faz parte da rede católica internacional de Promoção e Tutela de Crianças, Adolescentes e Pessoas Vulneráveis da Santa Sé, que é signatário da declaração de adesão ao artigo 3º e ao artigo 19 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Também é um signatário do Estatuto da Criança e do Adolescente da legislação brasileira. A Arquidiocese de Porto Alegre é a primeira diocese brasileira com tal iniciativa.
A Comissão será composta por Dom Jaime Spengler (arcebispo metropolitano), padre Fabiano Schwanck Colares (coordenador), padre Carlos José Monteiro Steffen (presidente, mestre em Direito Canônico e Doutor em Teologia, Vigário Judicial), irmã Maria Denise Mendes Ternes (secretária, psicóloga), Dra. Maria Regina Fay de Azambuja (procuradora de justiça e professora da PUC-RS), Dra. Daniela Moraes Weiler Bertoldo (delegada da Polícia Federal), Dra. Marys Eliane Rezende (advogada e assistente social), Dra. Berenice Rheinheimer (médica psiquiatra infantil), Dra. Shana Luft Hartz (departamento de vulneráveis da Polícia Civil), professora Ana Cristina Marson (psicopedagoga e orientadora educacional), professora Claudia Tavares (psicopedagoga) e Dr. Draiton Gonzaga de Souza (decano da Escola de Humanidades da PUC-RS e professor de Direito).
Os canais de comunicação de denúncias (não serão aceitas denúncias anônimas) são: [email protected] e (51) 99733-4957 (ligações e mensagem de texto).
A iniciativa da Arquidiocese de Porto Alegre é pioneira no país e nasce do pedido do Papa Francisco, que publicou, no ano passado, uma Carta Apostólica, sob forma de motu proprio (de livre iniciativa do papa, sem consulta a uma comissão ou um cardeal), chamada Vos Estis Lux Mundi (Vós sois a luz do mundo, em latim), em que o Santo Padre expressa a determinação de todas as Dioceses no mundo colaborarem de forma efetiva no combate ao abuso de poder, consciência e sexual de menores e vulneráveis. Mas o resultado disso na Arquidiocese de Porto Alegre têm raízes ainda mais profundas do que apenas um acolhimento ao pedido do Papa Francisco.
— Posso dizer que este esta é uma realização que brotou do meu coração — explica o padre Fabiano Schwanck Colares, que foi nomeado coordenador do novo trabalho.
O padre havia assumido como pároco da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, há poucos meses, ainda estava conhecendo suas Pastorais, era apresentado aos paroquianos, e iniciava novos trabalhos, quando foi surpreendido pela mãe de um catequizando da Primeiro Eucaristia:
— O senhor é o padre daqui?
— Sim, senhora — o padre lhe respondeu.
— Então quero lhe pedir que pare de convidar meu filho para o grupo de coroinhas. Deixo meu filho chegar perto de qualquer tipo de pessoa, menos de vocês, padres.
Surpreso e sem reação, o sacerdote lhe respondeu dizendo que a senhora nem o conhecia e que estava julgando uma minoria, quando ouviu, no mesmo tom de cobrança, um pedido que o marcaria:
— Então me prove, padre. Me prove que vocês são íntegros — finalizou ela.
Inicialmente, um grupo de trabalho
— A partir daquele dia, guardei no coração o desejo de provar o contrário do que pensava aquela mãe — e talvez muitas outras pessoas em nossa sociedade. Precisamos mudar essa imagem porque sabemos da idoneidade da imensa maioria do nosso clero — afirmou o sacerdote.
Em fevereiro deste ano, o padre Fabiano iniciou, em Florianópolis (SC), Mestrado em Direito Canônico, no Instituto Superior de Direito Canônico de Santa Catarina, um campus afiliado da Universidade Lateranense de Roma no Brasil. O plano, desenhado com Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, é preparar o presbítero para assessorar a Arquidiocese nos temas relativos à legislação da Igreja. Alguns meses depois, uma notícia que deixaria o presbítero ainda mais motivado: a Igreja em todo o mundo toma conhecimento de que o Papa Francisco, com a publicação da Carta Apostólica sobre a proteção dos menores, havia alterado o código penal da Igreja, tornando mais graves os delitos com menores e vulneráveis e acelerando os processos de investigação e condenação.
— Foi o encontro da mente com o coração. Era o momento de aliar meus estudos com a resposta que eu pessoalmente tanto queria dar. Em junho do ano passado, conversei com Dom Jaime e propus que eu começasse uma pesquisa, até porque o prazo dado pelo documento papal era 1º de junho deste ano.
Um Grupo de Trabalho (GT) foi formado em agosto. Participaram dele uma delegada da Polícia Federal, uma psicopedagoga, uma médica psiquiatra infantil e uma religiosa ligada à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Dom Jaime e o padre Fabiano. Do GT, surgiu um Regulamento interno sobre como conduzir o caso desde a denúncia até o tratamento da vítima e do suspeito, que pode incluir, além de padres e religiosos, todas as lideranças leigas que trabalhem com menores: os assessores adultos de grupos de jovens e os catequistas, por exemplo. O Regulamento foi aprovado na Arquidiocese pelo Conselho de Presbíteros, Colégio de Consultores e apresentado na Assembleia do Clero, em novembro do ano passado. O grupo concluiu também a elaboração de Normas de Conduta, que serão apresentadas ao clero, a todos os funcionários da Mitra Arquidiocesana, bem como aos agentes de pastoral que tenham contato com menores e vulneráveis.
Prevenção e formação no centro do trabalho
A Comissão Arquidiocesana Especial de Tutela de Criança, Adolescente e Pessoa Vulnerável, como é chamada, contou ainda com a assessoria da Dra. Maria Regina Fay de Azambuja, procuradora de justiça, uma das autoras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que sugeriu a troca do termo “menor” por “criança e adolescente”, como medida de adequação à forma estabelecida no país, e sem alterar o teor do pedido do Santo Padre.
— A Carta do Papa Francisco nos deu esta autonomia para desenvolver um trabalho próprio. Muitas Dioceses brasileira já têm Normas de Conduta para o Clero lançadas. No próximo mês, seremos a primeira Arquidiocese do Brasil a concluir um Regulamento e ter uma Comissão instalada por Decreto do Arcebispo com nomeação do presidente, coordenador e demais membros, e as atribuições de cada um. Queremos trabalhar unidos à Pontifícia Comissão para a Tutela de Menores, presidida pelo Cardeal O’Malley, Arcebispo de Boston, diocese que se tornou modelo para o nosso projeto — afirma o padre Fabiano.
A Comissão trabalhará em dois âmbitos igualmente importantes: o primeiro deles se responsabilizará por acolher denúncias, investigar (comunicar a Santa Sé e ao Ministério Público), executar a sentença e dar acompanhamento às vítimas. O segundo, se ocupará do caráter preventivo e formativo. Uma capacitação já está sendo elaborada para certificar padres e leigos no trabalho de modo seguro com crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis.
Para o período da Semana Santa, também será lançado um vademecum mais completo (protocolo oficial, com toda a documentação que orientará os trabalhos da Comissão) com o conjunto dos materiais desenvolvidos: Fluxograma, Normas de Conduta para o Clero, Normas de Conduta para os Leigos e Regulamento.
Para Dom Jaime Spengler, a novidade expressa a determinação da comunidade de fé em colaborar no combate ao abuso de poder, consciência e sexual.
— A instalação da Comissão é a resposta ao apelo do Papa Francisco. Desde que a Igreja se viu atingida de forma mais direta por esse tipo de crime, inaugurou-se um caminho para combatê-lo em todos as instâncias da vida eclesial, incluindo informação e formação — explica.
Fonte: Arquidiocese de Porto Alegre