Três pessoas morreram por comerem o bolo, mas a história vai além deste caso e o mundo olhou para a “mais bela praia gaúcha”
O ano de 2024 estava chegando ao fim e as festividades de Natal estavam próximas. As famílias se reuniam para suas confraternizações. Como de costume, o Litoral Norte recebia muitas pessoas para curtirem as festas de final de ano.
O que ninguém podia esperar, era que uma caso de envenenamento choraria uma família, uma cidade, o Estado, o país e o mundo. Um bolo feito, na cidade de Arroio do Sal, para uma confraternização familiar em Torres, deixou seis pessoas hospitalizados, sendo que três foram a óbito e duas ficaram internadas.
Além disso, o chocante caso trouxe à tona outro óbito, de mais um membro da família, que faleceu em setembro de 2024.
No fim, o desafeto de uma nora com uma sogra destruiu uma família e colocou Torres na mídia mundial, trazendo a imprensa de todos os cantos para a “mais bela praia gaúcha”.
RELEMBRE O CASO
No final da tarde do dia 23 de dezembro de 2024, uma segunda-feira, sete pessoas de uma mesma família, se reuniram em um apartamento na cidade de Torres para realizar uma confraternização de Natal.
Um dos membros da família, Zeli dos Anjos, que perdeu tudo na enchente que atingiu o Estado em maio e junho do ano passado e com isso deixou a cidade de Canoas, vindo a morar em Arroio do Sal, seguiu a tradição da família e fez um Bolo de Reis para confraternizar com os seus familiares.
Após comerem o doce, seis pessoas passaram mal e precisaram de atendimento médico, inicialmente no Pronto Atendimento (P.A) de Torres e na sequencia no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes (HNSN).
Já na madrugada do dia 24 de dezembro, duas mulheres vieram a óbito. As vítimas eram irmãs e foram identificadas como Maida Berenice Flores da Silva, 58 anos, e Tatiana Denize Silva dos Santos, de 43 anos. Na noite do mesmo dia, por volta das 20 horas, o HNSN confirmou a morte da terceira pessoa, Neusa Denize Silva dos Santos, de 65 anos, moradora da cidade de Canoas.
Zeli e o menino Mateus foram internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), porém foram reagindo, migrando para o quarto e na sequencia ganharam alta.
ARSÊNIO NO BOLO
As análises apontaram a presença de arsênio no sangue de três pessoas que consumiram o bolo durante a confraternização familiar. A substância, extremamente tóxica, é conhecida por seu uso na produção de venenos. Entre as vítimas, está Neuza Denize Silva dos Anjos, que faleceu. A informação foi confirmada à imprensa pelo delegado Marcos Vinícius Veloso, responsável pelas investigações.
O sangue das vítimas – a mulher que preparou o bolo, um sobrinho-neto de 10 anos e Neuza – foi analisado pelo Centro de Informação Toxicológica, que identificou o elemento químico nos materiais coletados. “Os exames confirmaram arsênio no sangue da dona Neuza, que morreu, e das duas vítimas sobreviventes, que seguem hospitalizadas”, declarou o delegado.
ACUSADA
Uma mulher, identificada pela Justiça como Deise Moura dos Anjos, nora de Zeli Terezinha Silva dos Anjos, 61 anos, foi presa temporariamente, por suspeita de ser a autora do envenenamento da sobremesa.
Conforme a Polícia Civil, a mulher foi detida por suspeita de triplo homicídio duplamente qualificado e uma tripla tentativa de homicídio duplamente qualificada, ela teria uma desavença com Neli.
De acordo com Marguet Mittman, diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP), a fonte da contaminação foi a farinha usada para fazer o bolo consumido pelas vítimas.
A suspeita foi encaminhada ao Presídio Estadual Feminino de Torres e sua prisão tem válida de 30 dias, tempo que a Polícia Civil pretende encerrar as investigações.
EXUMAÇÃO
A perícia confirmou que Paulo Luiz dos Anjos, esposo de Zeli Terezinha dos Anjos, também consumiu arsênio antes de morrer.
O corpo do homem foi exumado na quarta-feira, 8 de janeiro, na cidade de Canoas, onde ele está sepultado. Paulo teria consumido bananas e leite em pó, alimentos levados à sua casa, em Arroio do Sal, pela nora Deise Moura dos Anjos.
TENTATIVA DE CREMAÇÃO
Conforme a Polícia Civil, após a morte do sogro, Paulo Luiz dos Anjos, em setembro de 2024, Deise tentou convencer a família de que a causa da morte foi uma intoxicação alimentar por uma banana que o marido dela, Diego dos Anjos, filho de Paulo e Zeli, havia levado para casa deles, um dia antes da morte.
Ela tentou ainda manipular a opinião da família, usando o argumento de que o seu esposo, Diego, estava sofrendo porque se sentia culpado, e usava isso para comover a família e evitar que o corpo fosse periciado.
Ainda segundo a polícia, a suspeita chegou a pressionar a sogra, Zeli dos Anjos, para não investigar a morte do marido, dizendo em mensagens que “não devemos procurar culpados para o que não tem”. Deise tentou ainda cremar o corpo do sogro e isso só não ocorreu porque faltou a assinatura de um médico para liberar o procedimento.
O MOTIVO
Em contato com a reportagem do Grupo Maristela (Rádio Maristela de Torres, Rádio Itapuí de Santo Antônio da Patrulha e Jornal do Mar), o delegado da Polícia Civil de Torres, Marcos Vinicius Muniz Veloso, disse que “a investigada tem uma desavença com sua sogra desde que esta, há 20 anos, pegou dinheiro na conta conjunta que aquela tinha com o seu marido. Desde então a relação nunca mais foi a mesma”.
Com Tatiana, que morreu envenenada, houve desentendimento porque Deise queria casar em uma determinada igreja, mas não gostou que pouco tempo antes Tatiana resolveu fazer a cerimônia no mesmo lugar.
A polícia caracteriza as pequenas desavenças familiares como “desproporcionais” à magnitude do crime cometido.
Depoimentos de pessoas próximas à família apontaram que ela dizia querer “ver familiares em caixão”.
Deise não confessou ter cometido o crime nem quais seriam os motivos. Ela foi ouvida por cinco horas pela polícia, mas deve ser chamada para prestar novo depoimento logo após o marido e a sogra.
O FILHO
O único filho do casal Zeli e Paulo, Diego dos Anjos, foi ouvido no final do mês de dezembro pelo delegado Marcos Veloso. Até o momento, ele testemunha no caso. Na ocasião ele disse que a relação da esposa e de sua mãe era de altos e baixos, classificando como um eletrocardiograma. Ele ainda disse acreditar na inocência de sua esposa.
NOTA DA DEFESA DE DEISE
O escritório Cassyus Pontes Advocacia representa a defesa de Deise Moura dos Anjos no inquérito em andamento sobre o fato do Bolo, na Comarca de Torres, tendo sido decretada no domingo a prisão temporária da investigada.
Todavia, até o momento, mesmo com o pedido da Defesa deferido pelo judiciário, ainda não houve o acesso ao inquérito judicial.
A família, desde o início, colabora da investigação, inclusive o com depoimento de Deise em delegacia, anterior ao decreto prisional.
Cumpre salientar, que as prisões temporárias possuem caráter investigativo, de coleta de provas, logo ainda restam diversos questionamentos e respostas em aberto neste caso, os quais não foram definidos ou esclarecidos no inquérito.
MÍDIA MUNDIAL
O jornalista inglês, Nick Pisa, desembarcou em Porto Alegre para contar o Caso do Bolo, ocorrido em Torres. A reportagem de GZH, conversou com ele e sua equipe. Pisa disse que “parecia algo saído de um romance de Agatha Christie”.
A história interessou os britânicos “basicamente porque era uma história muito intrigante e tudo aconteceu na época do Natal. Pareceu muito estranho desde o início um bolo de Natal envenenado”.
O jornalista contou ainda que “foi para Porto Alegre só para acompanhar esse caso e fiquei surpreso quando me convidaram para ir, mas por ser web e tudo ser movido por cliques foi visto como uma história que vale a pena contar. The Mail tem um dos maiores números de usuários por ano e é um dos sites mais bem-sucedidos e lidos do mundo”.
Pisa destacou ainda a sua primeira impressão do caso.
“A minha perspectiva sempre foi um caso estranho e devo admitir que, para começar, pensei que seria um acidente trágico e que Zeli se confundiu com os ingredientes. Achei que ela não poderia ter feito isso deliberadamente, pois também deu duas mordidas no bolo. Então, conversando com a família dela, fiquei sabendo que havia animosidade entre Deise e outros parentes”.
INVESTIGAÇÃO
A suspeita de envenenamento, Deise dos Anjos, teve sua prisão decretada preventivamente do dia 5 de janeiro, com validade de 30 dias. Até lá, a Polícia Civil pretende encerrar as investigações. De acordo com o delegado Marcos Veloso, este prazo será possível cumprir, porque durante o verão o efetivo é maior na cidade e na região.