Rogério Daitx reforça que a empresa era séria, o piloto experiente e o dia favorável para voo. Mas alerta: “Está na hora do setor ser regulamentado de forma mais rígida no Brasil”.
O acidente com balão de ar quente ocorrido na manhã de sábado (21), em Praia Grande/SC, que vitimou oito pessoas e chocou o país, continua gerando repercussões e reflexões profundas no setor do balonismo turístico. Em entrevista concedida à Rádio Maristela na manhã desta segunda-feira (23), o presidente da Federação Gaúcha de Balonismo e piloto há oito anos, Rogério Daitx, falou com pesar sobre a tragédia e apontou caminhos para mudanças urgentes na regulamentação da atividade no Brasil.
Segundo Daitx, o acidente envolveu uma aeronave de grande porte, com capacidade para até 24 passageiros e operada por uma empresa considerada séria, sob comando de um piloto experiente. “As condições de voo eram favoráveis, mais de 40 balões estavam no ar naquela manhã. Não era um voo irregular, nem havia excesso de peso. O balão estava dentro dos parâmetros técnicos”, explicou.

A tragédia
Conforme os relatos, o fogo teria se iniciado na parte inferior do balão, possivelmente durante o uso de um acendedor auxiliar, um equipamento de segurança usado quando o maçarico principal falha. Embora ainda não haja confirmação oficial da causa, Daitx afirmou que “todos os pilotos carregam acendedores alternativos na mala de voo”, e que os modelos mais comuns são projetados para apagar automaticamente quando o botão de acionamento é solto. “Se foi isso que causou o fogo, é algo que precisa ser esclarecido pela perícia”, comentou.
O piloto do voo, Elves de Bem Crescêncio, teria tomado uma atitude correta ao perceber o incêndio e informado aos passageiros que o balão faria um pouso forçado e orientou que saltassem assim que tocassem o solo. A ação rápida salvou 13 pessoas, incluindo o próprio piloto, mas outras oito não conseguiram sair a tempo.
“É uma decisão que precisa ser tomada em milésimos de segundos. Ele salvou vidas. As pessoas que conseguiram pular sobreviveram. As demais, talvez por estarem em um espaço muito apertado ou por choque entre si, infelizmente não conseguiram sair”, disse Daitx, que também destacou a dificuldade de se movimentar dentro do cesto de um balão com muitos passageiros. “Ali dentro, o espaço é limitado. Quando precisa descer, não tem como sair com agilidade. Certamente foi um fator que dificultou.”
Balão estava dentro dos padrões
O balão envolvido na tragédia era homologado para até 1.950 kg e levava 20 pessoas no momento do voo. “Estava abaixo da capacidade. Não era um problema de carga. O dia estava propício, sem ventos perigosos. Tudo indicava que seria mais um voo de rotina”, reforçou.
Sobre a possibilidade de o balão ter subido novamente após o pouso parcial, Daitx explicou que isso pode ter ocorrido por falta de controle da aeronave após o incêndio. “Ele pode ter perdido o comando do balão. Em alguns casos, mesmo puxando a corda para anular o voo, a aeronave pode reagir de forma inesperada, especialmente com fogo a bordo.”
Regulamentação mais rígida
A tragédia reacendeu o debate sobre a regulamentação do balonismo no Brasil, especialmente no segmento turístico. Daitx apontou a estagnação na formação de pilotos como uma das falhas do sistema atual. Segundo ele, existem dois tipos de formação, a RBAC 103 e a PBL (Piloto de Balão Livre), ambas travadas em trâmites burocráticos.
“Hoje qualquer pessoa com pouca experiência pode começar a pilotar balões de grande porte. É como se alguém com carteira de carro começasse a dirigir um ônibus sem preparo. Isso não pode acontecer”, alertou.
Ele defendeu a criação de um selo de certificação para empresas e pilotos, que assegure aos passageiros que estão voando com operadores legalizados, habilitados e com equipamentos devidamente inspecionados. “Hoje, o turista compra um voo e nem sabe com quem vai voar. Isso precisa mudar. O passageiro não tem que fiscalizar ninguém, é o sistema que precisa garantir segurança.”
Daitx também criticou a associação equivocada do acidente de Praia Grande com outro episódio recente em Boituva (SP), também exibido na mesma reportagem do Fantástico. “São situações completamente diferentes. Em Boituva, os voos estavam proibidos por falta de condições climáticas e, ainda assim, houve decolagens. No caso de Praia Grande, as condições eram ideais e tudo estava regularizado.”
Questionado se o acidente pode afetar os eventos e festivais de balonismo, como o tradicional Festival Internacional de Torres/RS, Daitx acredita que o impacto será positivo em termos de segurança. “Vai aumentar a fiscalização, sim, mas isso é bom. Quando estamos corretos, ser fiscalizado é uma forma de reforçar a confiança no nosso trabalho.”
Sugestão de mudanças e exemplos internacionais
Daitx defende a adoção de regras mais rígidas no Brasil, inspiradas em modelos internacionais. Ele citou o exemplo da Capadócia, na Turquia, onde as decisões sobre decolagem são tomadas pelo Estado, e não pelos próprios operadores. “Lá, se a direção do vento não é segura, o voo simplesmente não acontece. Não há jeitinho, como ainda se vê aqui.”
Ele também relatou que às vezes há voos sendo realizados em condições adversas, como chuvas leves ou ventos instáveis, por pressão comercial ou irresponsabilidade. “Isso precisa acabar. O acidente de sábado mostra que o custo da negligência é altíssimo.”
Respeito às vítimas
Por fim, o presidente da Federação Gaúcha de Balonismo se solidarizou com as vítimas da tragédia. “Agora é hora de orar por essas famílias. Nenhuma indenização substitui uma vida. É uma dor irreparável.”
Segundo ele, reuniões com autoridades locais já estão sendo convocadas para discutir medidas emergenciais. Daitx participou de um encontro em Torres nesta segunda-feira (23) e se colocou à disposição para colaborar na elaboração de protocolos mais rigorosos.
“Está na hora, ou melhor, já passou da hora, de o Brasil tratar o balonismo turístico com a seriedade que ele merece. Muita gente voa todos os dias. E cada vida importa.”
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