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Os locais históricos de Torres estavam à deriva do tempo e da negligência

por Melissa Maciel
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A Casa do Alferes, o Torreão dos Guarda-Vidas, a Escola Cenecista e o Museu Municipal estão se degradando. Suas revitalizações são essenciais para preservar a história e fortalecer o turismo.

Dos alicerces de Torres ao crescimento do turismo, nossos marcos históricos resistem ao tempo e precisam ser preservados

A cidade de Torres é um local de belezas naturais exuberantes, mas também de um rico patrimônio histórico. No entanto, muitos de seus marcos históricos encontravam-se em estado de abandono e degradação, com suas histórias quase esquecidas pela sociedade. Por trás de cada edifício e monumento, há um enorme potencial de revitalização, como espaços que podem se transformar em centros de cultura, educação, turismo e desenvolvimento econômico.

Atualmente, quatro importantes locais da paisagem urbana de Torres são motivo de preocupação para a comunidade: a Casa do Alferes, próxima à igreja São Domingos, o Torreão dos Guarda-Vidas, localizado no calçadão da Praia Grande, a antiga Escola Cenecista, na subida do Morro do Farol, e o Museu Municipal, antiga sede da Prefeitura, situado próximo à Lagoa do Violão.

Nesta reportagem especial, com base em pesquisas realizadas junto à Secretaria Municipal da Cultura e do Esporte de Torres (SMCE), apresentamos a história de cada um desses locais e os desafios para sua revitalização.

CASA DO ALFERES, RAÍZES DA FUNDAÇÃO DE TORRES

A Casa do Alferes, também conhecida como Casa “Nº 1”, localizada próxima a igreja São Domingos, é um dos testemunhos mais antigos da história da cidade. Sua construção remonta ao início do século XIX, antecedendo a própria formação do núcleo urbano e até mesmo a edificação da igreja São Domingos. O imóvel foi erguido em etapas pelo Alferes Manoel Ferreira Porto, chefe da Guarda das Torres, e recebeu o número 01 na numeração predial da cidade, reforçando sua importância histórica.

A construção reflete as técnicas e materiais disponíveis na região naquela época. Suas partes mais antigas foram erguidas com lascas de pedras irregulares, unidas por um rejunte rudimentar, feito de barro extraído do local, conchas e cal de sambaquis — um tipo de sítio arqueológico formado por montes de conchas e restos de materiais utilizados por povos pré-históricos. Além disso, algumas paredes foram erguidas em taipa de mão, método tradicional também conhecido como “pau a pique” ou “taipa de sopapo”.

A residência pode ser dividida em duas fases arquitetônicas distintas. A primeira segue o estilo da Arquitetura Tradicional Luso-Brasileira, refletindo a influência portuguesa na região. Já a segunda fase, correspondente à ampliação realizada entre 1850 e 1900, apresenta um anexo coberto por meia-água e um detalhe arquitetônico diferenciado: o uso da platibanda na fachada frontal, um recurso que esconde o telhado e confere ao imóvel uma aparência mais refinada para a época.

O FUTURO DA CASA Nº 1

Atualmente, o imóvel é de propriedade privada, mas encontra-se no centro de uma disputa judicial entre particulares. Enquanto a questão da titularidade não é resolvida, a Justiça determinou que o município fizesse o tombamento do imóvel, assumindo sua guarda e manutenção.

Registro atual das condições da Casa

De acordo com o arquiteto urbanista da SMCE, Marcelo Koch, o futuro da Casa do Alferes será debatido junto ao Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Natural do Município (COMPHAC). O uso definitivo do imóvel dependerá do desfecho da ação judicial, mas há uma forte intenção de preservá-lo como um espaço de relevância histórica e cultural para Torres.

TORREÃO GUARDA-VIDAS, UM MARCO DO VERANEIO GAÚCHO

Inaugurado em 1953, o Torreão Salva-Vidas é uma das construções mais emblemáticas do litoral gaúcho, testemunha do crescimento do turismo e do veraneio na região. Localizado na orla da Praia Grande, foi criado com o propósito de ser um ponto estratégico para a observação geral da praia e o apoio ao trabalho dos guarda-vidas, o monumento reflete a preocupação da época em profissionalizar os serviços na orla.

Inspirado no Movimento Modernista, a estrutura foi projetada com traços inovadores, explorando as possibilidades do concreto armado. Suas formas curvas, lajes em balanço sem vigas aparentes e soluções estruturais arrojadas demonstram a influência das tendências arquitetônicas da época.

REQUALIFICAÇÃO TURÍSTICA

Atualmente, o local está inacessível devido aos riscos

Atualmente, o governo municipal de Torres tem um projeto em andamento para restaurar o Torreão Guarda-Vidas, com o objetivo de recuperar suas características originais e transformá-lo em um novo atrativo turístico. Além da reabilitação estrutural, a proposta inclui a criação de visitas guiadas de Educação Patrimonial, permitindo que moradores e turistas conheçam de perto a história e a tecnologia construtiva do local.

MUSEU MUNICIPAL: UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Localizado no coração de Torres, com vista para a Lagoa do Violão, o Museu Municipal ocupa um edifício de grande relevância histórica e arquitetônica. Construído em 1951 para ser a sede da administração municipal, o prédio se destaca pelo seu estilo eclético, que combina elementos da Art Déco com forte influência Neoclássica. Essa característica fica evidente nas imponentes colunas da fachada frontal e no acabamento refinado sob o brasão do município, evocando a grandiosidade dos períodos Clássico Grego e Romano.

Com estilo eclético, o prédio combina Art Déco e Neoclássico, marcando sua grandiosidade cívica

Uma das particularidades mais marcantes da edificação é o balcão elevado acima das colunas, projetado para cerimônias oficiais e como espaço de destaque para as autoridades municipais durante solenidades. Além de abrigar a Prefeitura Municipal até 2016, o prédio também foi sede da Câmara de Vereadores, reforçando sua importância como centro do poder político local por décadas.

Com a mudança da administração para a nova sede na Rua José Antônio Picoral, nº 79, Centro de Torres, o edifício passou a abrigar o Museu Municipal, tornando-se um espaço de preservação da memória e da cultura da cidade. No entanto, o tempo cobrou seu preço sobre a construção, que passou a apresentar problemas estruturais, como infestação de cupins e risco de desabamento dos forros. Devido a essas condições, o prédio foi interditado para reformas, visando garantir sua integridade e segurança.

FUTURO CENTRO CULTURAL

Atualmente, a administração municipal está investindo na instalação de alarmes e na vedação das aberturas por meio de tampões, a fim de proteger o prédio enquanto o projeto de restauro é elaborado.

A proposta de revitalização é ambiciosa: transformar o espaço em um Centro Cultural dinâmico, que contará com um museu modernizado, uma biblioteca acessível ao público e salas multiuso para eventos e atividades culturais.

O local está fechado, com janelas de vidro quebradas e paredes pichadas

Além disso, está prevista a concessão remunerada do pavimento inferior, que possui vista privilegiada para a Lagoa do Violão, permitindo que a iniciativa privada instale um café no local.

ESCOLA CENECISTA, UM MARCO AFETIVO E HISTÓRICO

A antiga Escola Cenecista, localizada na subida do Morro do Farol, tem suas origens no final da década de 1930. Concebida dentro de uma política do Estado gaúcho voltada ao bem-estar e ao desenvolvimento da saúde da comunidade escolar, a edificação foi planejada para abrigar um colégio elementar que, durante o verão, se transformaria em uma colônia de férias.

Projetado para ser colégio e colônia de férias, o espaço refletia a política estadual da época de promoção da saúde e desenvolvimento escolar

PROJETO INICIAL

A arquitetura do prédio apresentava características inspiradas no estilo “Prairie House”, ou seja, casa de pradaria, amplamente difundido pelo renomado arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright. O conceito parece ter sido escolhido propositalmente, uma vez que o edifício estava inserido em uma paisagem com poucas construções, quase um descampado, proporcionando ares de refúgio e integração com a natureza.

Dentre os recursos estéticos mais notáveis, destacavam-se as amplas marquises em formato de lâmina autoestruturada, que dispensavam pilares de sustentação. A presença de um mastro de bandeira reforçava essa vocação cívica e comunitária do local.

Embora as fotos históricas mostrem que a construção não reproduziu fielmente a linguagem arquitetônica do projeto original, um dos maiores prejuízos ao conceito arquitetônico ocorreu na execução das marquises.

EDIFICAÇÃO ATUAL

Com o passar dos anos, o edifício sofreu diversas modificações, afastando-se ainda mais da estética original. Apesar disso, sua importância transcende o aspecto arquitetônico, consolidando-se como um símbolo afetivo para a comunidade.

A antiga escola foi o cenário da formação de inúmeras gerações de estudantes e, em determinado período, abrigou também eventos sociais, casa noturna para festas e shows, tornando-se parte da memória coletiva de moradores e visitantes de Torres.

O prédio está fechado, com portas e janelas lacradas para evitar o uso indevido

NOVOS RUMOS

Atualmente, o imóvel pertence ao município, que tem adotado medidas para preservar sua integridade, como o fechamento das aberturas para evitar atos de vandalismo. Paralelamente, está em andamento uma contratação para a realização de prospecções arqueológicas no local. A investigação arqueológica é uma etapa essencial para definir diretrizes futuras, uma vez que há indícios de que a área tenha abrigado, no passado, uma fortificação histórica.

A prefeitura planeja abrir uma concorrência para que a iniciativa privada realize as obras necessárias, permitindo que o imóvel seja utilizado para fins comerciais por meio de concessão pública.

PRESERVAÇÃO HISTÓRICA

O que torna todos esses espaços tão importantes não é apenas a sua construção ou estilo arquitetônico, mas o papel que desempenham na formação da identidade de Torres. São locais de memória coletiva, que conectam a cidade com o seu passado e ajudam a contar sua história. No entanto, o abandono e a degradação desses monumentos refletem a falta de uma política eficaz de preservação e valorização do patrimônio.

Felizmente, o novo governo municipal dá indícios de que está tomando medidas para reverter essa situação. Agora, mais do que nunca, é necessário um esforço conjunto da população, do poder público e da iniciativa privada para garantir que esses patrimônios não sejam esquecidos, mas sim celebrados e aproveitados como instrumentos de educação, cultura e crescimento econômico.

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